Dez anos da Batalha dos 13: continuidade do legado do Hip Hop bauruense

Na edição do dia 29 de novembro, a Batalha dos 13 ocorreu no Teatro Municipal de Bauru / Imagem: Gabriel Rezende

Bauru, terra dos indígenas Kaingang, berço da Luta Antimanicomial, também é palco das batalhas de rima: encontro do movimento do Hip Hop onde os mestres de cerimônia, conhecidos como Mc´s, duelam através de rimas feitas na hora, à base do improviso.

Nas batalhas, os Mc´s se enfrentam a partir de uma base musical criada pelo DJ, o coração e o ritmo da cultura Hip Hop. Há duas modalidades de batalha: de sangue, quando os Mc´s se ofendem mutuamente, e de conhecimento, dinâmica que estabelece um tema específico para os Mc´s rimarem. 

Toda sexta-feira, na praça Rui Barbosa, região central da cidade, ocorre a Batalha dos 13. Criada na cidade de Avaré em meados de 2014, a batalha foi trazida para Bauru há três anos por um de seus fundadores, o Gabriel Barbosa, Mc Zóio Baixo, de 26 anos, morador do bairro Bela Vista. 

Atualmente, a batalha é organizada por ele e mais cinco membros, que formam o coletivo Função 13: Ana Helena (Latika), Caio Phelipe (Nego Mc), Blak_i.o, Hell e Evellyn Trajano. Cada um cumpre algumas funções para que a batalha aconteça, desde a divulgação dos eventos nas redes sociais, a condução das batalhas e a produção das folhinhas, o ‘troféu’, que é uma arte ilustrada com o nome do vencedor e todo o chaveamento da primeira à última batalha do dia. 

Thomaz Mc foi o grande vencedor da Batalha dos 13 no dia 29 de novembro / Imagem: Gabriel Rezende

As primeiras edições da Batalha dos 13 em Bauru ocorreram no bairro Bela Vista, em uma tabacaria. Depois, foi transferida para o cruzamento da rua Treze de Maio com o Calçadão da rua Batista de Carvalho, conhecido como ‘Esquina da Resistência’. Tradicionalmente, a Esquina de Resistência é um ponto de encontro dos movimentos sociais, políticos e populares da cidade. 

De acordo com a reportagem do JornalDois, ela recebeu esse nome em 1982, no lançamento da Revista Quilombo, do Movimento Negro Unificado, que tratava da cultura afro-brasileira. No evento, uma viatura da Polícia Militar (PM) chegou para tentar dispersar um grupo de pessoas que ali se encontrava. Foi graças ao enfrentamento e à resistência dos militantes presentes que a PM desistiu da operação.

Décadas se passaram e a repressão policial ainda é um fato presente para os movimentos populares e periféricos. Foi a truculência policial que levou a Batalha dos 13 a se transferir da Esquina da Resistência para a Praça Rui Barbosa há cerca de dois anos. “Em todas as edições eles [policiais] vinham atrapalhar e a gente tinha que parar antes. E indicaram para a gente mudar para a [praça] Rui Barbosa, porque lá é um espaço público e seria mais seguro para a gente mesmo”, conta Nego Mc. 

A Praça Rui Barbosa é considerada como o ponto de origem do movimento Hip Hop de Bauru. A partir da linha do trem, bauruenses se deslocavam para São Paulo, frequentavam a estação de metrô São Bento, berço do Hip Hop no Brasil, traziam as novidades e os discos para a cidade sem limites e se reuniam na Praça Rui Barbosa. 

“Em 1970, por aí, já começaram as batalhas de break. Então, começou ali [na praça] e eu acho que é um ponto muito da hora de ressaltar: que a gente tá continuando o movimento”, diz Latika. “É o ponto cultural do Hip Hop, tá ligado?”, complementa Zóio Baixo. 

O Centro foi escolhido pelos organizadores por conta da facilidade do acesso /Imagem: Instagram @batalha_dos_13

Ferramenta de transformação social

Além de organizar a batalha de rima, o coletivo Função 13 fundou o Slam Mentes Livres, competição de poesias faladas realizada toda última sexta-feira do mês no Teatro Municipal na qual não se utiliza uma base musical ou elementos cênicos. 

O grupo sentiu a necessidade de criar o formato, uma vez que a cena de Hip Hop da cidade, já recheada de batalhas de rima de segunda à sábado, ainda possui poucos slams. “O slam é político, assim como a batalha de rima. Só que a batalha de rima, eu acredito, é uma mistura de criatividade com raciocínio lógico. Agora, o slam, ele era político. Ele vem pra você ter um espaço e expressar o que você sente como indivíduo e qual é a sua visão sobre a sociedade. Acho que ele traz mais essa ferramenta de expressão, explica Latika.

Seja no slam ou na batalha, a frequência de jovens, nem sempre familiarizados com o Hip Hop, é alta. Por isso, o coletivo se preocupa em ser flexível e empático, a fim de acolher esse público, mas também, como destaca Latika, em apresentar o “Hip Hop como uma ferramenta de transformação. Mostrar para aquela pessoa que é uma alternativa, que ela pode sobreviver daquilo. E que o Hip Hop tem uma mensagem para passar. […] A gente tenta passar de uma forma tranquila e assertiva o que é o movimento Hip Hop”. 

“Hip Hop é coletividade, é trabalhar em coletivo”, considera Zóio Baixo / Imagem: Gabriel Rezende

Semana do Hip Hop de Bauru

Neste ano, a Batalha dos 13 se apresentou na Semana do Hip Hop de Bauru, ocorrida em novembro. Criada em 2011 pelo produtor cultural Renato Magú e, em 2013, incorporada ao calendário do município com a aprovação da Lei nº 6358, a Semana do Hip Hop da cidade sem limites é o maior festival gratuito do gênero da América Latina. 

Em sua programação há oficinas artísticas, produção de grafitti, rodas de breaking, formação nas escolas e shows por vários pontos da cidade. Nesta edição, artistas de renome participaram, como Mc Luanna, Drik Barbosa, Coruja BC1 e Rap Plus Size.  

A Batalha dos 13 se apresentou no complexo do Teatro Municipal no dia 8 de novembro. Cerca de 50 pessoas acompanharam os shows de Nego Mc, Jotaerri, do B-Boy Mago e da B-Girl Evellyn Trajano e, ao final, a tradicional batalha de sangue, vencida pelo Mc Biggie D. 

Nego Mc foi um dos artistas que se apresentaram na Semana do Hip Hop de Bauru de 2024 / Imagem: Gabriel Rezende

As duas edições seguintes da batalha, ocorridas nos dias 15 e 29 de novembro na Praça Rui Barbosa e, novamente, no Teatro, tiveram a mesma média de público, mas com rostos novos.  

Nego Mc avalia que o festival bauruense é importante para a difusão do Hip Hop para pessoas que não conhecem o movimento, mas destaca: “O hip hop está acontecendo todo dia nas esquinas, nas quebradas, no [Octávio] Rasi, Jaraguá. Todo lugar tem alguém praticando Hip Hop. No semáforo, no Centro, dançando em algum lugar. Então, é da hora ter a semana do Hip Hop, mas não [podemos] focar só na semana. O Hip Hop acontece o ano inteiro”.